terça-feira, 28 de agosto de 2007

Baianadas.net

Depois de quase meio século sem escrever e também sem entender quais seriam os motivos desse meu período de ostracismo forçado ante a literatura sem as obrigações impostas pelas amarras acadêmicas.
Nessa última semana, algo me incomodou profundamente e trouxe novamente o ímpeto, a sensação de que era necessário escrever, como se estivesse compondo uma sonata, que me perdoem os especialistas na área...
Por meio da datilografia dos tempos modernos...começo, sentindo a revolta que é o motivador de toda esta história...o primeiro movimento rápido, com a exposição e o segundo movimento lento, como que uma recuperação da introdução...inicio:
Em tempos de web, high-tech e todos esses termos que aqueles que se envolvem com internet estão acostumados...nesse semestre me deparo com uma aula sobre Jornalismo Digital. Desacreditada de alguns seres da universidade pública, não criei muitas expectativas, mas também não entrei na sala de aula com as armas em punho.
Vamos ver qual que é, afinal, pensei, é impossível repetir as façanhas fotojornalísticas unespianas, nada pode ser tão ruim.
Começa a aula, um clima descontraído, discussão de ementa, risadas...o professor???Inteligente, bem articulado, demonstrou dominar a área em questão. Para conquistar a classe, me lembrou aqueles professores de cursinhos, chacotas "all the time", como diria o próprio, que adorava empregar termos em inglês durante sua explanação. Segundo o mesmo..."quem não gosta, vai ter que aprender mesmo, inglês é a língua da tecnologia".
Quase todas as suas falas eram seguidas de uma risada que contava com um movimento coordenado de todo o seu corpo, seguido do "ajeitar" da sua franja.
Bibliografia?Comecei a sentir o drama, obras em inglês. Caracas!Não tenho dinheiro para aqueles livrinhos dessas séries primeiros passos, que dirá para obras de destaque do jornalismo digital que são claro todas em inglês. Confiante, que me encontrava, logo solucionei o meu problema. Viva a prestação!, ri.
De repente as risadas aumentam, retorno a realidade, pergunto o que aconteceu e me respondem "ele está falando do começo da internet, lembra época do flash, sites coloridos, que piscavam?". Ri, lembrei do primeiro site que fiz, ainda quando estava no colégio técnico.
Prestava atenção...a maneira frenética em falar daquele homem, para o qual tudo adquiria um tom de deboche, continuou, até que ele disse a seguinte frase, que me soou como um martelo..."ISSO TUDO VIU GENTE, ESSAS COISAS CAFONAS, GAUDY, SÃO CONHECIDAS COMO BAINADAS DIGITAIS!"...as risadas aumentaram...para complementar ele continua..."ISSO É PRECONCEITO VIU, MAS SABE... [ele é interropido pelas risadas]"...
Não consegui mais prestar atenção em absolutamente nada...apenas aquele termo se repetia em minha cabeça...bainadas digitais...tentei prestar atenção novamente...
Mas ele repetiu mais duas vezes e a sala ria sempre mais...
Refleti: O que será pior? Ele dizer isso? Ser engraçado? Ou duas pessoas próximas me dizerem, "isto é um termo normal!", quando se deparavam com a minha indignação!
Há nem sei quantos séculos, escravizar pessoas também era comum...Querem mais termos comuns, como o baianadas? Alguns deles que foram jogados na minha cara, durante a minha infância (menina negra que sempre estudou em escola particular), relembre comigo (quantos desses será que já usou?): "serviço de preto", "amanhã é dia de branco", "preta do cabelo duro"...tinha algumas piadinhas também...que assim como o BAIANADAS.net, faziam (e depois do que vi ainda fazem...) rir: "pobre somente sobe na vida quando o barraco explode", "êita caipira atrasado!", piadinhas de bicha, tem as loiras também...uma infinidade.
Não sei o que me espanta mais? Ele, um professor, formador de opinião, reafirmar o preconceito em seu discurso...ou todos, como se estivessem alheios, rirem e legitimarem essa ação absurda, em minha opinião, é claro!
Ah! E tudo isto, na universidade pública, viu??? celeiro da elite intelectual nacional...
...prossigo revoltada, pelo menos, serviu para eu voltar a escrever, saí no lucro!porque se estiver surtando, será a constatação do que ouvi em uma dessas noites de sábado: "Você percebe que você é a única?"